12. I can't get no satisfaction
Estou a fazer uma travessia no deserto no que diz respeito ao meu trabalho. Ando a passar por uma fase de enorme desmotivação, em que todos os dias, quando toca o despertador, sinto que acordo mais cansada do que quando me deitei. A ideia de ir trabalhar e passar o meu dia fechada num escritório fazem com que me sinta drenada de qualquer energia, como se um muro de betão tivesse sido erguido à minha frente, entre mim e a minha motivação, e fosse impossível de furar, quebrar ou atravessar.
Sempre fui uma pessoa de manhãs. Por norma, acordo bem-disposta, cheia de energia e com vontade de conquistar o mundo. Por isso, quando me deparo com estes níveis tão baixos de vontade logo às 7h da manhã, percebo que algo não está bem. Tendo a atribuir este cansaço todo ao facto de ainda não ter ido de férias, de as poucas férias que gozei até à data de hoje terem sido para me dedicar a outros afazeres e responsabilidades e, como tal, não serviram para descansar.
No entanto, dentro de mim, naquele cantinho onde costuma esconder-se a verdade, sei que não é apenas por esse motivo que me sinto assim. Porque não me sinto apenas cansada. Sinto-me aborrecida, desinteressada e completamente desinvestida. Sou uma pessoa que gosta de aprender coisas novas, estou sempre a desafiar-me e a aprender alguma coisa. Tenho sede e fome de conhecimento e, por isso, por mais que goste de dominar as tarefas que tenho à minha responsabilidade, também gosto de me dedicar ao processo de aprender outras tantas. Gosto de por os neurónios em ação e no meu atual trabalho isso não acontece, é extremamente rotineiro e monótono.
O ambiente de trabalho, com exceção de um grupo de pessoas de quem gosto muito e se tornaram amigas, também não é o melhor. Não que os meus colegas não sejam boas pessoas, mas o ambiente da empresa estimula o medo, o estado de alerta e, com isso, torna-se difícil um clima de paz. Assim, todos os dias, quando ponho o pé nas escadas de acesso ao meu gabinete, respiro fundo e penso "o que será que vou encontrar hoje?". Muitas vezes, aliás, quase sempre, os problemas que assisto são apenas isso, problemas dos quais sou observadora, mas não é por não ser na minha pele que não me arrepio na mesma. Nesta empresa o provérbio "nas costas dos outros vejo as minhas" tornou-se um lema e todos os dias o comprovo.
Além deste ambiente, assisto todos os dias a atitudes que espelham a falta de reconhecimento e valorização. Estou cansada de dizer que valorização não é apenas e somente o salário que se leva ao final do mês para casa. É sentir que o nosso trabalho é reconhecido, é obter feedback (tanto negativo como positivo), é ver a nossa vida além trabalho ser respeitada, é ser tratado com respeito e dignidade. Estou numa posição a que costumo chamar o lugar do morto, porque é aquele tipo de trabalho que é o chamado trabalho invisível. Dá muito trabalho, mas só se apercebe disso quando não aparece feito. Como tal, é frequente ver pessoas com menos responsabilidade ou menos tempo de casa, mas que são mais "choronas", a ter mais reconhecimento. E a parte que mais me impressiona nisto é que não me afeta. Não me tira o sono, não me agita o batimento cardíaco, não me deixa nem uma pontinha enraivecida. E isso não é normal em mim, que sinto tudo à flor da pele. Mas torna-se natural quando não estou investida, quando as coisas não me dizem nada e são distantes. É por isso que vejo diariamente vários tipos de injustiças, que me poderiam fazer sentir descontente ou zangada, mas não me alcançam. Não quero saber, estou nem aí (sim, remember para a Luca e o seu grande hit). Esta atitude, ou falta dela, mostra-me o quão desinteressada estou neste trabalho e empresa. Já não tenho sequer paciência, pachorra ou energia para me importar e ofender.
Apesar de tudo isto, sinto que continuo a fazer bem o meu trabalho, porque o faço por mim, pelo meu sentido de responsabilidade e pelo sentido de missão que coloco em tudo onde estou presente. Não o faço pelos meus patrões, não o faço para que me passem a mão pela cabeça ou me digam "bom trabalho", porque já aceitei há muito tempo que isso nunca acontecerá. Faço o meu melhor porque só assim me faz sentido.
Sei que permaneço neste emprego por conforto e comodidade. Porque recebo bem, estou perto de casa, conquistei o meu lugar e tenho um grupo de amigas que fazem com que os dias cá dentro se tornem suportáveis. Mudar nesta altura do campeonato, num contexto pandémico, onde nada é seguro, não me parece viável nem sensato. Então vou aguentando, dia após dia, sempre com o olho nas 18h, nas sextas-feiras e nas férias.
O que me entristece é que o tempo passa muito rápido e, num piscar de olhos, passaram 3 anos e eu cá continuo. Entrei nesta empresa uma menina e hoje vejo-me mais velha, madura, mais próxima dos 30 do que dos 20 e sinto que estou a desperdiçar a minha vida cá dentro. Estou a deitar fora o meu potencial, a contentar-me com algo que não me realiza nem faz feliz pelo conforto de ter um salário gordinho. Questiono-me muitas vezes se valerá a pena abdicar de tanto por esse conforto. Mas depois rapidamente me abano e digo a mim mesma que este trabalho é uma bênção, que deveria focar-me mais nos aspetos positivos, que deveria sentir-me grata e que na vida não podemos ter tudo. Tenho este diálogo comigo mesma diversas vezes ao dia e há dias em que tudo flui e me é fácil acalmar esta tempestade interna. Mas depois existem outros, que me fazem confrontar com esta insatisfação e me mostram a minha falta de audácia e coragem para mudar algo que não está bem. Chega a ser esquizofrénico o jogo de pensamentos contraditórios a que me entrego para conseguir aguentar mais um pouco.
O meu caso não é único, antes fosse. Sei que, tal como eu, muitas pessoas se levantam todos os dias para irem para um emprego que não é o seu sonho, que há empregos muito piores do que o meu, que existem pessoas que dariam tudo para terem um emprego. Mas, perdoem-me, isso não minimiza a sensação de estar a ver a vida passar diante dos nossos olhos e pensar que este cenário não tem nenhuma semelhança com aquele que idealizamos para nós mesmos. E não me interpretem mal: eu nunca fantasiei com nenhum emprego em particular ou um determinado estilo de vida. Nos diversos planos que fiz para mim, nas mil e quinhentas ideias que tracei, existia apenas uma variável constante: eu sentia-me realizada e feliz. Uma felicidade que não é aquela felicidade absurda, de sentir que todas as células se desfazem em sorrisos e que tenho um fogo de artifício prestes a explodir dentro de mim. Em vez disso, uma felicidade serena, de alguém que acorda todos os dias com uma missão, um propósito, que passa os dias a realizar-se e que pode chegar ao final de uma jornada de trabalho e sentir-se bem consigo mesma.
Cada vez mais olho para o tempo como a relíquia mais valiosa que possuímos. Nada substitui o tempo, nada o compra, nada tem mais valor. Confrontar-me com a realidade de que desperdiço o meu tempo, que é tão frágil, veloz e precioso, num lugar que não me acrescenta, que não me realiza, que me cansa, drena e satura, é difícil. Sinto que estou a deixar a vida fugir-me pelas mãos. Observo este cenário e estou paralisada, a deixar que aconteça, sem fazer nada para o inverter.
Provavelmente esta é apenas mais uma fase, no meio de tantas outras. Pode ser o retrato perfeito de alguém que precisa urgentemente de ir de férias. Ou pode ser tudo isso mais a consciência plena de que está na hora de agir, de me mexer e fazer à vida. Não sei. Talvez daqui a duas semanas a tempestade tenha passado e venha a bonança. Talvez venha a acalmia, a serenidade ou a certeza, a confiança, a coragem. Uma coisa é certa: tanto ficar como ir são decisões. São escolhas, têm consequências, têm implicações. E não escolher é, em si mesmo, uma escolha.