It is impossible to get better and look good at the same time. Give yourself permission to be a beginner. By being willing to be a bad artist, you have a chance to be an artist, and perhaps, over time, a very good one. - Julia Cameron
Quando tirei a carta de condução, todos os meus amigos já conduziam há 2/3 anos. Enquanto eu ainda aprendia o que era o ponto de embraiagem ou aprendia a "ouvir o motor" e perceber que mudança deveria engatar, os meus amigos já conduziam praticamente de olhos fechados, muitos deles no seu próprio carro, sem qualquer dificuldade. Senti-me, desde aí, em desvantagem em relação a eles e com vergonha de mostrar as minhas skills de condutora que não eram excelentes e, ao lado das deles, pareciam ainda piores. Assim, quando passei no exame de condução (e foi à primeira!), tentei sempre não conduzir. Não suportava aquele estatuto de amadora, aprendiz, novata, maçarica, como queiram chamar, e evitava a todo o custo conduzir. Como estudava numa outra cidade e não tinha carro próprio, foi fácil evitar a condução durante bastante tempo. Não precisava de conduzir para me deslocar a nenhum lado, as minhas deslocações diárias eram facilmente percorridas a pé ou através de transportes públicos. Na minha cidade natal, onde apenas vinha aos fins de semana, o tempo passava tão rápido, que existia sempre a desculpa perfeita para não pegar no carro dos meus pais.
Embora nunca me tenha sentido feliz com esta atitude (ou falta dela), é sempre mais fácil mantermo-nos na zona de conforto do que nos desafiarmos e, como tal, deixei-me andar e estar. Até que terminei os estudos, regressei à minha cidade e comecei a trabalhar. Como não tinha carro nem possibilidades para, num curto prazo, comprar um, mais uma vez, tornei a evitar conduzir. Primeiro, arranjei boleia com os meus pais; depois, com colegas de trabalho e, por fim, com o meu namorado que trabalha numa outra empresa, mas perto de mim. Continuei dependente de outros, a sentir-me cada vez pior comigo própria, por sentir que não ter carro não era o verdadeiro motivo que me levava a não conduzir, mas sim o medo de errar, de falhar, de mostrar ao mundo que não sou uma condutora nada incrível.
Este medo espelha alguns traços da minha pessoa como o medo de perder o controlo, de falhar, de deixar que os outros percebam que, afinal, não faço tudo bem. Não me considero, nem nunca considerei, uma pessoa perfecionista, mas não tenho dúvidas de que sou uma pessoa que tem um medo enorme de se confrontar com o fracasso. E a condução sempre significou isso para mim: fracasso. Não um fracasso racional, porque não chumbei no exame, não tive dificuldades enormes a aprender a conduzir nem nunca tive nenhum acidente ou peripécia maior. Mas um fracasso que é apenas e unicamente percecionado por mim e que deriva da minha falta de confiança em mim mesma. Não confio nas minhas capacidades e não confiar é quase tão ou mais grave do que não ter capacidades de todo.
O mais inacreditável é que gosto de conduzir. Gosto da sensação de liberdade e, acima de tudo, gosto da sensação de adrenalina e coragem que sinto sempre que pego no carro. Sim, eu sei, para os condutores diários, pegar no carro é tão automático como tomar banho ou lavar os dentes, mas para mim, que estou a anos luz de conduzir como um expert, conduzir é todo um ato consciente e de alerta máximo. São muitos estímulos, a atenção é redobrada e canso-me com mais facilidade por isso mesmo. Sempre que me sento no lugar do condutor e ponho o carro a trabalhar, sinto que estou a enfrentar um desafio e, como tal, surge a adrenalina, o receio, o nervosismo, mas também a coragem e resiliência.
Mais do que querer conduzir autonomamente e sozinha, eu quero, acima de tudo, permitir-me falhar. Quero trabalhar esta relação tóxica que tenho comigo mesma, na qual me cobro demasiado, exijo de mim aquilo que jamais exigiria de outro alguém. Quero ser uma boa condutora, mas para o ser sei que preciso de ser paciente comigo mesma, tenho de ser compassiva e estar recetiva a falhar. E compreender que para se ser bom é quase imperativo e obrigatório ser-se mau. O nível de expert advém da experiência que, por sua vez, advém de muita prática. Uma prática consistente, que não se limita aos dias bons e a quando apetece, mas que se expande a todos os dias, mesmo que seja só um bocadinho.
Porque eu quero ter o meu carro, quero ter a minha total e completa liberdade e independência, de não precisar de ninguém para ir onde quiser, quando quiser. Quero sentir que sou capaz, que consigo conquistar os meus medos e que consigo fazer do fracasso uma oportunidade de crescer e me tornar melhor. Quero tratar-me com a mesma tolerância, compreensão e cuidado como trataria a minha família e amigos. Quero respeitar o meu tempo, respeitar-me a mim mesma e perceber que o mundo não acaba por o carro ir abaixo ou por não estacionar bem à primeira. Não faz mal recomeçar e tentar as vezes que forem necessárias.
Este é um dos meus objetivos para este ano e espero, genuinamente, conseguir alcançá-lo. Creio que já perdi demasiado tempo, que poderia ter utilizado em inúmeras viagens. Todo o tempo que perdi a fugir, a evitar, a esconder-me foi tempo que poderia ter canalizado para treinar, praticar e ganhar a tão desejada experiência.