13. estranged
Às vezes, sinto-me anestesiada. Estou constantemente à espera do momento em que tornarei a ser eu mesma ou, pelo menos, quem costumava ser. Estou à espera de voltar a sentir tudo como antes, de me entregar de corpo e alma às emoções e não ter medo de as sentir. Hoje fujo delas, sobretudo das fortes e intensas. Antes não era assim. Não tinha medo de sentir, por mais desconfortável que fosse a situação, ali estava eu, recetiva e presente. Mas hoje sinto-me inquieta, incapaz e indefesa.
Estou à espera de voltar a mim, mas, por vezes, questiono-me se alguma vez voltarei a encontrar essa pessoa. Será que tornarei a encontrar-me ou será que sou uma pessoa diferente? Será que continuo à procura e à espera de alguém que já não existe? Ou será que estou simplesmente adormecida, ainda a digerir tudo que tem acontecido, e que irei despertar a qualquer momento?
Estou a ler o "Tudo o que nunca fomos" de Alice Kellen e encontro tantas semelhanças entre mim e Leah, a protagonista. Não na situação em si, mas na forma como reagimos. A fuga à dor, o bloqueio de qualquer emoção, seja positiva ou negativa, a sensação de que há coisas que são demasiado difíceis, quase impossíveis, de serem digeridas. Mas tenho aprendido com Leah e o fascinante da leitura é mesmo este modo como as personagens nos acompanham muito além das páginas dos livros. Ficam connosco por muito tempo, surgem no pensamento a meio do dia e as suas experiências iluminam as nossas. A Leah tem me ensinado a sentir, a estar presente para as minhas emoções e dar-lhes espaço e tempo. A dor faz parte da experiência de viver e a Leah tem vindo a concluir, tal como eu, que não podemos usufruir da felicidade se não passarmos pelos escombros da dor.
Ainda assim, perco-me muitas vezes a pensar sobre o paradeiro da minha antiga pessoa. Tenho saudades minhas. Gosto muito da pessoa que sou, mesmo que, por vezes, me pareça uma estranha e não uma fiel amiga. Mas gosto de mim e tenho orgulho no modo como tenho conseguido levar o meu barco além de todas as tempestades e tormentas. No entanto, não consigo evitar sentir saudades daquela miúda leve, aberta, recetiva a tudo, que sentia e sabia que podia conquistar o mundo. Hoje carrego mais peso, as responsabilidades multiplicaram, herdei muitas coisas que não desejei. E se é bom saber que sou capaz de aguentar mais e com mais facilidade, também é muito bom ser leve e fluir com a vida, sem ter de estar a pensar em tudo a toda a hora.