26. focus
Em abril do ano passado, senti que estava na hora de fazer mudanças. Sentia-me pesada, inchada e muito sedentária. Ter um trabalho administrativo leva a que a maior parte do dia seja passado em frente ao computador, sentada. Fazia-me falta movimento.
Embora não tenha ficado em teletrabalho e, por isso, não conheça, por experiência própria, os efeitos de estar em casa todos os dias, creio que fui influenciada pela onda de pessoas que estavam a usar o tempo em casa para praticar desporto. Assim, a 2 de abril de 2020, iniciei o meu primeiro treino em casa.
Na altura, propus a mim mesma fazer o desafio de duas semanas da Chloe Ting, disponível no youtube. Fiz o primeiro treino e passei todos segundos dos 30 minutos a achar que me ia dar o fanico, mas no final, além de muito suada e dorida, senti-me muito bem comigo mesma. Embora não estivesse na melhor forma física, o que se ressentiu em alguns exercícios que foram praticamente impossíveis de fazer, senti-me orgulhosa por ter concluído o treino e motivada a continuar. Como a Chloe tinha um calendário praticamente definido para as duas semanas, bastou-me segui-lo com dedicação, o que não foi difícil porque a) eram apenas duas semanas e b) a maioria dos treinos não tinha uma duração maior do que 35/40 minutos. Além disso, a cada novo dia, notava mais diferenças na minha capacidade física, o que funcionou como grande ingrediente motivacional.
No final das duas semanas, com o desafio terminado, senti vontade de continuar e procurei outros desafios da Chloe. Assim, lá embarquei noutro desafio, este com mais tempo, mas com a mesma estrutura do que o anterior. Quase todos os dias, após chegar a casa do trabalho, vestia o fato de treino, comia qualquer coisa e ia para a sala, com o tapete, e dedicava-me ao exercício. As dificuldades inicias foram-se esbatendo e fui ganhando mais força e resistência, sendo capaz de adicionar exercícios mais difíceis e exigentes ao meu treino. Comecei a sentir-me mais leve, mais ativa e, acima de tudo, mais feliz. Afinal, estava a fazer algo positivo para o meu corpo, mas também para a minha mente. Enquanto treinava não pensava em mais nada, os problemas, quer fossem de trabalho ou outros, ficavam pendentes.
Entretanto, comecei a receber sugestões do Youtube da Pamela Reif, que, tal como a Chloe Ting, também partilha diversos vídeos de exercício. Confesso que inicialmente tive receio de experimentar os vídeos da Pamela, porque toda a gente se queixava de como eram exigentes e pensava que não seria capaz. No entanto, um dia decidi que não perdia nada em tentar e, após uma aula, fiquei fã! Os vídeos da Pamela são diferentes da Chloe não tanto nos exercícios, mas no ritmo e energia. A Pamela é mais dinâmica e os vídeos dela têm qualquer coisa, não sei se é a música ou a organização, que nos motivam. Claro que também ajuda ela ser linda de morrer e estamos a treinar e a idealizar que ficaremos com um corpo igual! Uma pessoa termina os treinos dela completamente arruinada, encharcada em suor, mas com a sensação de dever cumprido.
Assim, transitei dos programas da Chloe para os da Pamela, que organiza calendários semanais, de acordo com os objetivos que cada pessoa pretende atingir. Aliás, a Pamela desenvolveu uma app onde podem consultar todos os exercícios e planos, é por lá que me guio e oriento. Tem também receitas super saudáveis, mas este segmento admito que não consulto com muita frequência porque cozinhar é das coisas que mais abomino nesta vida.
Passado um ano e alguns meses, posso dizer-vos que continuo a treinar todas as semanas em casa. Resisti ao calor e às férias, chegando inclusive a levar o meu material de treino de férias e a treinar um bocadinho todos os dias. Treinar tornou-se parte da minha rotina, uma atividade que considero de autocuidado, um tempo que dedico a mim mesma e ao meu bem-estar. Tenho aprendido e desenvolvido muito mais do que a minha resistência física e é precisamente isso que gostaria de partilhar aqui.
É fácil arranjar motivos para adiar e começar o projeto de alcançar os nossos objetivos apenas “amanhã”. No entanto, se há coisa que aprendi é que a motivação, muitas vezes, não precede a ação, vem depois desta iniciar. O que nos motiva a iniciar nem sempre é o mesmo que nos motiva a continuar ou a evoluir; esperar pela motivação pode significar nunca deixar de estar à espera, por isso, é necessário por vezes darmos um empurrão e iniciarmos algo mesmo que a motivação para tal não seja a mais elevada. Por exemplo, depois de ultrapassada a inércia de iniciar um treino, dificilmente desistiremos dele a meio e no final, quando terminado, além da sensação de bem-estar por termos feito o treino alia-se a sensação de orgulho de termos vencido a preguiça.
A falta de tempo é, na verdade, falta de estabelecimento de prioridades. Quando não consideramos que algo é importante ou prioritário, certamente não teremos tempo para tal. Percebi que num dia que tem 24h, em que 9h são de trabalho e cerca de 7h são para dormir, existia uma grande janela horária onde podia retirar 40 minutos para exercício físico. Para tal, foi preciso apenas organizar-me: saber que mal chegasse a casa era importante comer alguma coisa e equipar-me de seguida, não perder tempo a fazer scroll no telemóvel e ir direta ao tapete. Nos dias de maior calor, optei por acordar mais cedo para treinar antes do trabalho e isso implicou deixar tudo preparado na noite anterior para ser apenas acordar e iniciar. Quando queremos, temos sempre tempo.
Aprendi que alguma coisa, por mais pequena que seja, é sempre mais e melhor do que nada. É melhor fazer uma caminhada de 15 minutos ou um treino curto de 10 minutos do que não fazer nada. Não só pela questão física, mas sobretudo pela componente emocional de não darmos abertura a desculpas e não nos desviarmos do foco.
No entanto, também foi importante compreender que o corpo, além de precisar de ser exercitado, também precisa de descanso. Respeitar o nosso corpo é a regra de ouro e, como tal, os dias de descanso são tão importantes como os dias de treino.
De um modo geral, aquilo que começou por ser apenas um modo de me tornar mais ativa, trouxe-me muito mais do que resistência e força física. Vivi o processo de ver algo tornar-se num hábito. Porque treinar, seja em casa, seja uma caminhada, o que for, é algo que passou a fazer parte da minha rotina. Treino para me sentir bem comigo mesma, para que o meu corpo seja forte e saudável. Talvez quando comecei, o objetivo fosse ter determinado corpo ou estrutura, mas hoje posso assegurar-vos que o meu grande objetivo é apenas respeitar o meu corpo, nutri-lo e cuidar dele para que se mantenha saudável por muitos e longos anos. Por isso, é preciso rever se as nossas motivações não poderão ser, muitas vezes, os grandes obstáculos ao processo de mudança. Se queremos fazer algo por os motivos errados, a probabilidade de falhar é maior.
Um livro que me ajudou muito a compreender os diversos mecanismos cognitivos e comportamentais que estão subjacentes ao processo de mudança foi o Atomic Habits, do James Clear. Aconselho vivamente a sua leitura seja para a criação de hábitos saudáveis como para a eliminação de hábitos desagradáveis. Há um conjunto de estratégias simples e acessíveis que fazem toda a diferença e facilitam.
Criar um hábito, seja este qual for, é um processo. Não começamos por ser incríveis e experts nas primeiras vezes que tentamos, mas cada vez que praticamos estamos mais perto de ser melhores e de nos ultrapassarmos. Quando fiz o meu primeiro treino, não consegui fazer metade dos exercícios propostos, mas senti-me tão feliz por simplesmente ter tentado, que me levou a repetir e treinar no dia seguinte. Ao fim de um mês, repeti o primeiro treino que tinha feito e fui capaz de fazer tudo. A motivação para continuar foi a constatação de que com empenho e dedicação tudo é possível. Basta não desistir, sobretudo nos dias em que não apetece. É preciso tornar inaudível a vozinha que nos tenta afastar do nosso objetivo e passar à ação. Porque no final, a sensação é sempre a de que valeu a pena.