Volta e meia, mas com menos frequência do que aquela que deveria, faço uma pesquisa pelas vagas de emprego disponíveis na minha área de residência e terrinhas adjacentes. Quase sempre fico surpreendida e triste com aquilo que encontro disponível no mercado. Há uma enorme procura de pessoas para funções para as quais não são necessárias habilitações académicas superiores e muito pouca oferta para aqueles que têm essa formação. E acho que isto tem de nos deixar a pensar um bocadinho no rumo que o mercado de trabalho está a seguir.
Embora trabalhos como serralheiro, eletricista, torneiro mecânico, sei lá, são apenas alguns exemplos que me atravessam a mente neste momento, não exijam um determinado curso superior, exigem um enorme know-how que, normalmente, advém da experiência. O mesmo se aplica com algumas áreas industriais e fabris: é frequente os operadores de chão de fábrica terem mais conhecimento sobre as máquinas do que os ditos engenheiros mecânicos e eletrotécnicos, porque são os primeiros que estão todos os dias no terreno, com as mãos na massa, a desvendar as manhas e enigmas das máquinas. No entanto, muitos deles não tiraram nenhum curso, aprenderam com a experiência. O que quero dizer com isto é que não se pode desvalorizar as pessoas sem formação académica superior e achar que não ter um curso superior faz delas inferiores. O mercado de trabalho atual é a prova disso, porque existe uma enorme procura e uma escassa oferta destes profissionais.
Por sua vez, na situação oposta, os académicos, recém-licenciados, mestres e até doutorados, passam dias a fio a enviar currículos espontaneamente na esperança de que alguém os chame para uma entrevista e, no limite, lhes ofereça um estágio profissional. Tiraram um curso, especializaram-se, fizeram três cursos de línguas diferentes e, pelo meio, ainda ajudaram em algumas associações de voluntariado. A maioria até teve a oportunidade de estudar um semestre noutro país e muitos estiveram à frente de projetos académicos exigentes e muito dignos. No entanto, na hora de entrar no mercado de trabalho, são apenas mais um. Não há qualquer diferenciação quando toda a gente à nossa volta tem um curso e, aparentemente, tem o mesmo para oferecer.
Sei que estou a ser muito redutora no meu raciocínio, porque é certo que não partimos todos do mesmo ponto de partida e que duas pessoas com um currículo exatamente igual são seguramente diferentes a trabalhar e podem trazer diferentes mais-valias a uma empresa. Mas estou a tentar traçar o retrato do nosso mercado profissional atual: todos os anos se formam milhares de jovens num país que, infelizmente, não tem espaço para abraçar todos.
Se, por um lado, é uma conquista a educação estar cada vez mais acessível a toda a população, por outro lado, questiono-me se não se deveria refletir acerca do ensino superior e rever os diferentes cursos e o número de vagas dos mesmos. Sei que a solução não deveria passar por cortar as oportunidades de formação, mas sim ampliar as oportunidades de trabalho. É verdade, esse seria o cenário ideal e eu espero, honestamente, que caminhemos nessa direção, mas à luz daquele que é o cenário atual, creio que se torna necessário refletir se não estamos a tornar-nos numa fábrica de licenciados, mestres e doutorados que depois não podem aplicar os conhecimentos que adquiriram através de um investimento contínuo e exigente. É, no mínimo, injusto. E por mais que eu seja a favor da máxima de que o conhecimento não ocupa lugar, não posso ser lírica e crer que todas as pessoas que seguem à universidade vão com a única expectativa de alargarem os seus conhecimentos. Isso deverá ser uma pequena fatia da população que ingressa na faculdade; a maioria vai com um plano de carreira, vai para se formar numa área e, posteriormente, trabalhar nela e construir a sua vida.
No meu caso pessoal, optei por tirar o curso de psicologia, na altura completamente alheia à realidade do que era a psicologia em Portugal. Tinha 18 aninhos feitos há pouco tempo, mais dúvidas do que certezas, e segui a única área que achei que poderia gostar. Não me enganei, adorei o curso e se pudesse passaria a minha vida a investir em formação e pós-graduações dentro desta área. Mas quando cheguei ao fim de cinco anos, além de um mestrado na mão, não tinha qualquer perspetiva de oportunidade de trabalho. Aliás, para dificultar um pouco mais a situação, no caso particular da psicologia, ainda tinha a obrigatoriedade de fazer um estágio profissional para a Ordem dos Psicólogos para poder exercer. Mas isto é um outro assunto, que fica para um outro post. O que quero dizer é que hoje trabalho numa área diferente daquela na qual me formei (apenas faço alguns trabalhos na minha área), porque foi onde tive oportunidade de trabalho. Um curso já não nos define como talvez, em tempos, aconteceu. E isto acontece não apenas porque nem sempre tiramos o curso que realmente se identifica connosco e o que queremos fazer, mas sobretudo porque muitas vezes somos forçados a abrir janelas quando as portas principais se fecham. Torna-se imperativo procurar outras opções quando as primeiras deixam de ser válidas.
Pensemos na realidade do curso de psicologia, que é a que conheço melhor. Há cursos no Porto, Braga, Aveiro, Covilhã, Coimbra, Lisboa, Algarve e deverão existir noutras cidades, que não conheço. Além das universidades públicas, somam-se as privadas onde o curso também é lecionado. Agora somemos a quantidade de psicólogos que se formam por ano e olhemos para a situação precária da psicologia em Portugal.
Embora sejamos dos países com maior consumo de antidepressivos e ansiolíticos, o que nos alerta para o facto de a saúde mental estar completamente marginalizada (embora a pandemia tenha vindo ajudar a que o tema se torne falado com outra postura), não temos oportunidades para estes profissionais. O serviço nacional de saúde, neste aspeto, é vergonhoso. Estive num centro de saúde a trabalhar, numa das maiores cidades deste país, e era assustadora a quantidade de processos clínicos em lista de espera. E os poucos e escassos funcionários disponíveis também não conseguiam dar resposta. O que quero dizer é que existe muito trabalho na área da saúde mental, mas não existem oportunidades, o que são coisas completamente diferentes. Há muito trabalho a fazer não só a nível corretivo/remediativo, mas também a nível preventivo. Em todos os contextos: escolas, lares, empresas, hospitais, centros de saúde; para todas as faixas etárias. Mas onde estão as oportunidades?
Sei que a criação da ordem ajudou a filtrar muitas pessoas, porque a verdade é que muitos colegas não conseguem sequer fazer o estágio profissional e ao fim de tantas tentativas, acabam por desistir e seguem por outros percursos profissionais. Não morre ninguém, é certo que a vida é reconstrução e o plano inicial traçado não tem de ser o concluído, mas também não podemos negar a tristeza que é investir numa formação, não apenas dinheiro, mas também tempo, energia e dedicação, para depois ver esse investimento cair em banca rota.
Falo da psicologia, mas, infelizmente, esta realidade é transversal a muitas outras áreas. E quando faço o que fiz ontem, que é ver as vagas disponíveis, constato que ter uma formação superior não só não assegura nenhuma oportunidade como ainda pode ser um obstáculo a seguir um percurso alternativo.
Felizmente, para aqueles que constituem o universo dos trabalhadores indiferenciados, as oportunidades vão aparecendo. No local onde trabalho, a maioria das pessoas não tem formação superior e tem um trabalho onde se sente realizada, onde conseguiu evoluir e tem uma remuneração igual ou superior à dos ditos formados. E sei que muitos destes colegas, mesmo sem o diploma, sabem tanto ou mais do que muitos académicos, pelo que fico feliz por ver o seu conhecimento e experiência serem reconhecidos. Não é isto que me causa estranheza ou tristeza; o que me deixa revolta é a situação em que se encontram os outros. Que podem saber tanto, ou mais ou menos, mas nem sequer têm uma oportunidade para o mostrar; que não são contratados porque não têm experiência e, desse modo, ficam eternamente condenados porque nunca a poderão adquirir.
Entrei no mercado de trabalho oficialmente há quatro anos e a minha visão acerca deste universo tem variado, também em função das oscilações sentidas no próprio mercado. É apenas a minha reflexão acerca de um tema que não é nada fácil, mas que é urgente refletir acerca de. Há muitas variáveis a considerar, é preciso olhar a questão de diferentes ângulos e perspetivas e espero que a minha opinião não tenha sido demasiado obtusa e limitativa.
E vocês? O que pensam acerca deste assunto? Como podemos, na vossa opinião, inverter este cenário?